sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Alerta. Há quem queira acabar com o Serviço Nacional de Saúde

É com muita preocupação que tenho ouvido e lido o que dizem sobre o Serviço Nacional de Saúde(SNS) algumas personalidades que se prespectivam na governação do país. O que dizem e escrevem é simples – projectam acabar com o SNS e consideram a área da saúde uma das privatisáveis. É assustador. Mas pelos vistos não tão assustador que seja claro para a maioria das pessoas.

Um sistema de saúde pode assentar em várias fórmulas. Uma delas é a dos seguros de saúde, defendida pelos respectivos e poderosos lobbies. É o sistema que existe nos EUA. Neste país são desenvolvidas das melhores técnicas e estudos do mundo, mas um terço da população fica de fora. Quem for pobre, não tiver seguro e tiver o azar de fazer uma fractura numa perna, ou não é operado ou fica empenhado até ao fim da vida. Mas também há os seguros com prémios baixos, próprios para pessoas modestas; só quando adoecem é que percebem que afinal o plaffond daquele seguro é muito baixo e não paga quase nada.

Os vários sistemas

Há o sistema francês, em que a Sécurité paga os serviços privados (consultas, operações), para além da rede de serviços públicos. É cómodo, mas tem defeitos ao nível do controlo da quantidade e da qualidade dos serviços privados que agem isoladamente. Depende dos descontos e está a ser insustentável.

Há o sistema dos seguros obrigatórios, como a Suiça, país rico e estruturado, onde esta obrigação e o nível da prestação de serviços se mantêm com características especiais.

E há os países com SNS – Portugal, Espanha, Reino Unido e países nórdicos. Neste sistema, o orçamento da saúde depende do orçamento geral do Estado e vive portanto essencialmente do bolo geral, dependendo da entrada de impostos, tal como a Educação. Ninguém desconta para a saúde excepto alguns sub-sistemas, que ainda existem. Há no entanto muitas pessoas (provalvelmente a maioria) das que usufruem do SNS, que não pagam impostos porque ficam aquém do nível da taxação, que não descontam para a saúde como ninguém desconta, mas que pensam e dizem que descontam... Trata-se de confusão com o desconto para a segurança social. Nós médicos ouvimos todos os dias pessoas que nos dizem "andei a descontar toda a vida”. O SNS é realmente universal e tendencialmente gratuito. Os grandes meios de diagnóstico e terapêutica, as TAC, as ressonâncias magnéticas, os tratamentos com radioterapia, os nossos medicamentos biológicos, a hemodiálise, as hospitalizações, as cirurgias. Tudo isso é gratuito e sai do orçamento geral do Estado. É isso que as pessoas podem perder. Desde a organização do SNS em Portugal passámos a ter dos melhores índices de saúde da Europa. Plano nacional de vacinação com rigoroso ccumprimento. A mortalidade infantil, que era das maoires da Europa passou em 30 anos de 52 por mil (o triplo da França no mesmo ano) para 4 por mil (o mesmo de França). A mortalidade materna passou de 54 (por 100.000) para 6 (em França é de 7). Isto é o resultado de melhores condições sociais mas também dum SNS que pode ter deficiências, mas que funciona. É isto que podemos perder.

Contrapõem aqueles que querem acabar com o SNS universal e gratuito que não é justo que os ricos tenham tudo isto ao mesmo preço dos pobres, isto é de graça. Até parece um argumento socialmente justo. Mas não é. O outro lado desta proposta é que restringindo a gratuidade dos serviços aos pobres, o Estado “emagrece” em funcionários e custos. E portanto os impostos podem baixar... logo a fracção social do bolo do orçamento, isto é, a saúde e a educação são as primeiras prejudicadas. Assim teremos de facto uma saúde para os ricos, os que podem pagar mas que pagarão menos impostos e uma saúde para os pobres, a que fica reduzida aos mínimos. E atenção, os ricos em Portugal quantos são? Pode haver uma classe média capaz de pagar uma consulta no consultório. Mas não estamos a falar disso, estamos a falar de altos custos de milhares e milhares de euros. Repito: TAC s, ressonâncias, radioterapias, medicamentos de alto custo. Até onde vai aquilo que se designa por “uma vertente social do Estado” e que não passa dum conceito de caridade, agora apelidado de “solidariedade” ou seja ir dando qualquer coisa aos pobrezinhos para que não haja conflitualidade? Vai até ao medicamento para a diabetes ou também paga a ressonância? O sistema de saúde ficar dependente destes critérios é um enorme retrocesso.

Afinal o Estado ao serviço de quem?

Na esperança de que os serviços públicos caiam, têm-se construído os hospitais privados. Não se imagine que vivem ou vão viver dos pagamentos das classes altas. Vão viver dos seguros e das contratualizações com o Estado. Ou seja, se o Estado não tiver hemodiálise eles vendem o serviço, se não tiver radioterapia eles vendem, se não fizer a cirurgia vão fazê-la. Aqueles que têm o pensamento estratégico destas empresas de saúde são exactamente aqueles que na televisão e na imprensa falam contra o Estado e apelam ao seu “emagrecimento”. Mas nunca conseguiriam sobreviver sem ela.

Tal como foi do Estado parasitando o dinheiro do Estado que vivem a empresa que explorou o Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra). Afinal com que dinheiro é que foi construído e equipado e de onde vinha o dinheiro para o seu orçamento anual? Um negócio de muito lucro e que foi pago por todos nós. As parcerias publico-privadas custam-nos caro. Aquilo que se deve procurar é a boa gestão dos serviços públicos, tal como acontece nas EPE s, empresas públicas em que não há lucros privados, nem interesses privados, tal como acontece nos Hospitais de São João no Porto e Santa Maria em Lisboa, e em outros hospitais que têm demonstrado a sua boa evolução com este modelo. Demonstrado o seu bom funcionamento estão na altura de valorizar o seu pessoal, acabar de vez com o trabalho precário (foi o que já aconteceu no Hospital de Santa Maria) e encontrar forma de reconstituir as carreiras médicas, as quais foram uma parte integrante da organização do SNS no nosso país.

In revista Perspectiva, Junho 2008.