sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Serviço Nacional de Saúde em 26 pontos

  • Portugal é um dos poucos países no mundo que possui um Serviço Nacional de Saúde (SNS) universal. Qualquer cidadão tem acesso a qualquer serviço, independentemente da sua situação de trabalho e independentemente dos seus descontos.
  • O SNS vive do orçamento geral do Estado e portanto do bolo proveniente dos impostos e outros rendimentos do Estado.
  • As pessoas mais abastadas contribuem para o orçamento da saúde através do pagamento dos impostos.
  • Dois milhões de portugueses não pagam impostos por estarem abaixo do nível de taxação. No entanto beneficiam do SNS tal como quaisquer outros. É o princípio da solidariedade, uma característica da cultura europeia.
  • Aquilo que as pessoas descontam para a Segurança Social não tem a ver com o SNS. Tem a ver com a reforma e o subsídio de doença ou desemprego.
  • O SNS deve ser suficiente a nível de todo o acompanhamento de diagnósticos e terapêuticas.
  • Em Portugal não há uma classe rica suficiente para alimentar os serviços privados. Isso passa-se em países com outra escala, mas não no nosso.
  • Por esse motivo em Portugal os serviços privados só sobrevivem se o Estado for cliente. Por exemplo, se não houver resposta para a hemodiálise ou radioterapia no Estado este tem que enviar os seus doentes para o privado. É óbvio que o Estado fica a perder o lucro que está a dar a essa instituição privada.
  • Logo o SNS tem que se equipar de modo a não dar lucros a terceiros. É o esforço que está a ser feito nos grandes hospitais do país como o Santa Maria em Lisboa e o de São João no Porto.
  • Os serviços públicos de Saúde têm também que se agilizar de modo a terem boa gestão e rentabilidade.
  • No entanto, o ser humano tem que estar sempre acima dos números. A lógica do serviço público não é o lucro, ao contrário dos privados, apesar da necessidade de boa gestão. No caso público a boa gestão tem de levar ao re-investimento para melhorias.
  • A acessibilidade e a hotelaria são qualidades, mas não têm nada a ver com segurança e capacidade técnica e científica.
  • Uma boa parte da comunicação social faz campanha continuada contra o SNS. As companhias de seguros e os serviços privados beneficiam dessa campanha.
  • Há problemas que advêm de facturas de longo prazo. Durante 20 anos não houve investimento nos Centros de Saúde, nem a nível dos médicos, nem dos enfermeiros, nem dos administrativos.
  • Os cuidados de saúde primários, baseados na rede de Centros de Saúde é a chave para a resolução da acessibilidade e da descompressão do trabalho hospitalar. A sua re-estruturaçao requer recursos financeiros e humanos. Os recursos humanos são actualmente de disponibilidade limitada.
  • Só recentemente foram aumentadas as vagas para especialistas de Medicina Geral e Familiar. Daqui a 5 a 6 anos teremos mais especialistas.
  • A estes especialistas têm que ser dadas melhores condições e prespectivas de carreira.
  • Na Unidade Sentrional A de Lisboa – Hospitais de Santa Maria/Pulido Valente e 6 centros de saúde da área (Alvalade, Benfica, Loures, Lumiar, Odivelas e Pontinha) criou-se uma articulação e comunicação que resolveu o problema de quase todas as listas de espera e há atendimento para todos os doentes prioritários. O exemplo não pode ser ignorado.
  • Na mesma unidade foram abertos postos de colheita em todos os centros para as análises serem feitas no HSM. Beneficiam todos. O Hospital poupa e reinveste. O exemplo não pode ser ignorado.
  • As mudanças na sociedade conduzem a problemas reais que todos temos que encarar. Em 20 anos passaram para o dobro o número de falecimentos de idosos nos hospitais. É uma mudança cultural, que constitui um novo dado a ter em conta.
  • As doenças de abundância e usura crescem exponencialmente: obesidade, diabetes, problemas de ortopedia e articulares, cataratas, varizes. É um problema de todos, com o qual temos que contar. Sobre isto deverá haver uma discussão pública.
  • O número de médicos em Portugal parece suficiente. No entanto, tem que ser tido em conta que só os médicos com menos de 50 anos fazem serviço de urgência à noite e, em principio, devem ser especialistas. Nestas circunstâncias (menos de 50 anos e especialistas) não há o número suficiente para cobrir as grandes cidades e o país. O ano passado e este ano foram abertas mais vagas nas Faculdades de Medicina. Teremos mais médicos nestas condições daqui a 10 a 11 anos. Até lá temos que encontrar soluções, que não serão as ideais.
  • Não adianta pensar em medidas avulso e ligeiras para problemas desta gravidade. Ninguém se quer queixar de uma dor de barriga em ucraniano...
  • A falta de médicos nos Centros de Saúde, a falta de estomatologistas nos Centros de Saúde, a falta de jovens especialistas, são facturas de longo prazo. A falta de memória em política acaba por ser uma grave questão ética, porque se fazem julgamentos em cima da hora e não se constroem soluções a longo prazo. Perante este quadro de sucessivas amnésias, qual é o político que lhe apetece pensar em termos de futuro?
  • Em cada Centro de Saúde, em cada hospital, os profissionais e os utentes têm que encontrar soluções e praticá-las. Os problemas são suficientemente importantes para não poderem ser tratados em estilo de “ estados de alma”, como se estivéssemos perante a inevitabilidade do insucesso.
  • Às vezes parece-me que não percebemos o bem que ainda temos e não lutamos por ele, embarcando na canção da desgraça.
In revista Perspectiva, Julho 2008.